O corpo e o mundo virtual
Havia um tempo em que a internet era nova, as coisas eram gratuitas e entrevíamos a possibilidade de ali encontrar tudo.
A conexão era de fato lenta. Mas o tempo se alastrava pela madrugada.
A internet ainda não continha de fato tudo. Muita coisa estava para ser digitalizada ou ali reproduzida. Era tempo das web-pages pessoais, não dos blogs e nem das redes sociais.
A relação com o virtual parecia, de certo modo, invertida, em relação o que ocorre hoje. O virtual se apresentava como uma espécie de novo saguão da realidade, mas com possibilidades próprias, capazes inclusives de "contaminar" o mundo real. Era como se fôssemos capazes de capacitar a esfera real, carnal, com novas possibilidades e caminhos. Por exemplo, encontrar o texto impossível ou acessar um professor inacessível em outro país; ouvir e conhecer músicas jamais imaginadas, enfim, ter acessos-mil e expandir os horizontes do próprio corpo.
Mas curiosamente, daqueles tempos para cá ocorreu um pouco o contrário. Não é mais tanto o corpo que usa o computador para possibilidades-mil, mas é o computador - cada vez mais reduzido - que parece utilizar o corpo - cada vez mais encolhido.
Transformamos a nós mesmos em frutos de likes e follows. Presidentes são eleitos e pessoas demitidas pelo mundo virtual.
Até no plano acadêmico já ouvi um professor muito requisitado dizer: você precisa fazer publicidade de si mesmo, expandir suas redes, causar certa impressão.
Mas 20 anos atrás, quando alguém queria ler um bom texto, não procurava na internet por pesquisadores que expandem suas redes, mas sim por pesquisadores que publicam bons textos (que o Google Acadêmico me desminta, se eu estiver errado).
Eis a inversão: buscávamos conteúdos para aprimorar os horizontes do corpo; hoje o corpo é que parece horizonte para questões não mais de conteúdo, mas de visibilidade, de disponibilidade, de "estar ali" e "fazer de acordo", de bancar que se tem algum conteúdo, quando o conteúdo já não vale mais tanto assim.
Então, de algum modo, parece hoje necessário não mais se conectar à rede para ser alguém, mas se desconectar dela. Como se precisássemos reconquistar o corpo, a realidade, a vida.
Pois logo ali há uma nova notificação para nos transportar em direção a outros compromissos, deslocar o corpo do aqui e agora, mergulhar nessa antessala da qual parece que nunca mais conseguimos sair.
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