Haddad, Bolsonaro, JN e retórica.

Hoje o Jornal Nacional realizou entrevista com Haddad, após a indicação de Lula e a pesquisa do Datafolha que mostrou Bolsonaro - "esfaqueado" - com 26% e Haddad com 13%, empatado em segundo com Ciro Gomes (PDT).

De algum modo, o JN empregou uma retórica ainda não vista n'outros anos na entrevista com candidatos: a do combate. Na ocasião de Bolsonaro, ele chegou a comparar a mesa de debate com um módulo de artilharia.

No que diz respeito a Haddad, ele foi "metralhado" (se utilizarmos outra palavra de Bolsonaro sobre petistas) por Bonner e Vasconcellos, ou ao menos essa foi a impressão retórica da entrevista para o cidadão em geral.

Tais aspectos mostram bem a época na qual vivemos. O formato inteiro - de "artilharia" - favoreceu Bolsonaro, candidato de retórica fraca e palavras secas, que ainda não superou as fases operatório-concretas do desenvolvimento infantil. Da entrevista dele para cá, o candidato teve inclusive reuniões com os diretores da Globo (dois dias antes da facada), o que mostra que o grupo levou sua candidatura mais a sério.

Quanto a Haddad, o tom professoral não sobreviveu aos ataques de Bonner e Vasconcellos. Independente do que Haddad tenha feito ou não como político, no nível da argumentação seu posicionamento de professor não é o formato ideal da entrevista. Pois Haddad se concentrava primeiro em contextualizar a pergunta de Bonner, para depois respondê-la. Não conseguiu falar e foi bombardeado com outras perguntas e evidências (verdadeiras ou não).

Veja bem, caro leitor: não defendi Haddad em momento algum. Mas é curioso: uma época "da lacração" exige posicionamentos "lacradores". Não à toa o "mito" está em primeiro nas pesquisas. Não precisa dizer uma só palavra ou articular argumento, num evento que ainda ousam chamar de político.

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Um museu não queima à toa


No dia 2 de setembro, data em que Maria Leopoldina assinou a independência do Brasil, o Museu Nacional - local da assinatura - ardeu em chamas. Nada mais simbólico.

Pouco sobrou. Conforme comentou Eduardo Viveiros de Castro, um dos maiores antropólogos da atualidade, o que ardeu foi o "ground zero" do pensamento brasileiro. O ponto inicial do que poderia nos dar alguma identidade nacional, e não apenas a face de um país que não sabe para onde vai.

Nas redes sociais, vejo as pessoas se emocionarem. Mas logo continuam as correntes, os memes, inclusive em prol de candidatos sem qualquer proposta para a cultura. Ou mesmo em apoio a um candidato fascista.

É o mesmo candidato fascista que disse várias vezes que vai "fuzilar" o pessoal da cultura e anexar o Ministério da Cultura como modesta secretaria dentro do Ministério da Educação. Quem seria o encarregado? Alexandre Frota (quando a coisa aperta, vem alguém para dizer: "foi 'brincadeira'"). Mas o engraçado é que as pessoas são capazes de chorar pelo Museu Nacional e não ligar essa informação ao fato que o próprio candidato de seu voto rebaixará o ministério da Cultura.

A entrevista com Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo do MN, emociona e revolta. É uma triste e pessimista análise sobre o que o Brasil está se tornando.

O brasileiro é ruim de ouvido, não sabe ouvir críticas. Crítica interna é coisa de chato e caxias. Quanto à crítica externa, ela só vale se for em sinal de reconhecimento. Se for negativa, os auto-enganos e justificações são bastante automáticos.

Então as declarações do arqueólogo egípcio Zahi Hawass passarão por nós como se não existissem (isso para quem as ler). Ele disse que, se não somos capazes de cuidar das raridades egípcias que perduraram outros 3500 anos, deveríamos então devolvê-las, ao invés de deixá-las arder. Afinal, se o descuidado é um patrimônio brasileiro, isso não quer dizer que outros países gostem do mesmo.

Um pouco desorientado, copio o link da entrevista com Viveiros de Castro e faço circular nas redes sociais. Mas logo alguém me interrompe sobre essas coisas de "ficar divulgando "links do PT". Diz ele: isso não passa de propaganda ideológica, coisa de esquerda, de intelectuais, de "gente da cultura" etc.. "Querem nos enganar, agora sobre o Museu".

Mas não havia ali nada referente ao PT. "PT" se referia ao endereço do site que entrevistou Viveiros de Castro. No caso, era o jornal "Publico", de Portugal, cujo endereço é publico.pt .

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Noam Chomsky, as fake news e o Brasil


O quanto essa entrevista com Noam Chomsky nos cabe.

Sobre a descrença nos "fatos" e a criação de um mundo de fakenews, ele diz:
Já faz 40 anos que o neoliberalismo, liderado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assaltou o mundo. E isso teve um efeito. A concentração aguda de riqueza em mãos privadas veio acompanhada de uma perda do poder da população geral. As pessoas se sentem menos representadas e levam uma vida precária, com trabalhos cada vez piores. O resultado é uma mistura de aborrecimento, medo e escapismo. Já não se confia nem nos próprios fatos. Há quem chama isso de populismo, mas na verdade é descrédito das instituições.
 Sobre como a imprensa concede pauta para atitudes não-democráticas:
Olhe a televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump, Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo que pode acabar com todos nós.
O texto acima é particularmente interessante, devido a um fenômeno talvez pouco estudado, mas que a linguagem popular chama de "dar bandeira a maluco". Por controle de estímulos, como dizem os psicólogos behavioristas (isto é, pela criação sucessiva de contextos nos quais determinados eventos são apresentados e ocasionam determinados jogos - contingências - de comportamento), uma pauta anti-democrática ganha primeiro plano no seio da democracia. Ou, em outras palavras, um candidato é capaz de ganhar visibilidade não pelo que diz ou tem a contribuir, mas pelo fato de tornar-se frequentemente visível por outros critérios. Um pouco como na velha frase atribuída a Goebbels.

Isso ocorre no já clássico caso da oposição Lula x Bolsonaro: quando a esquerda, por vício de alarmismo e vitimismo, colocou os dois lado a lado, isso acabou capitalizando a figura de Bolsonaro que, de deputado irrelevante do baixo clero, tornou-se uma espécie de "opositor" das políticas do PT.

O resultado tornou-se bastante conhecido ao brasileiro: basta dizer "Lula" que alguém devolve sem pensar "Bolsonaro!"; e basta acusar Bolsonaro e você é diretamente visto como "lulista", mesmo que isso esteja longe da verdade.
P. Houve um deslizamento para a direita do espectro político?
R. Na elite do espectro político sim, ocorreu esse deslizamento, mas não na população em geral. Desde os anos oitenta se vive uma ruptura entre o que as pessoas desejam e as políticas públicas. É fácil ver isso no caso dos impostos. As pesquisas mostram que a maioria quer impostos mais altos para os ricos. Mas isso nunca se leva a cabo. Frente a isso se promoveu a ideia de que reduzir impostos traz vantagens para todos e que o Estado é o inimigo. Mas quem se beneficia da reduzir [verbas para] estradas,hospitais, água limpa e ar respirável? 

P. Então o neoliberalismo triunfou? 
R. O neoliberalismo existe, mas só para os pobres. O mercado livre é para eles, não para nós. Essa é a história do capitalismo. As grandes corporações empreenderam a luta de classes, são autênticos marxistas, mas com os valores invertidos. Os princípios do livre mercado são ótimos para ser aplicados aos pobres, mas os muito ricos são protegidos. As grandes indústrias de energia recebem subvenções de centenas de milhões de dólares, a economia de alta tecnologia se beneficia das pesquisas públicas de décadas anteriores, as entidades financeiras obtêm ajuda maciça depois de afundar… Todas elas vivem com um seguro: são consideradas muito grandes para cair e são resgatadas se têm problemas. No fim das contas, os impostos servem para subvencionar essas entidades e com elas, os ricos e poderosos. Mas além disso se diz à população que o Estado é o problema e se reduz seu campo de ação. E o que ocorre? Seu espaço é ocupado pelo poder privado, e a tirania das grandes corporações fica cada vez maior.
Lúcido, o velho Chomsky.

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