Política no Google


Para a História do Esquecimento: quase toda busca no Google que tem a ver com política encontra, na primeira página, ThinkTanks de direita ou ultradireita e liberais ou ultraliberais.

Isso é um fenômeno notável no Brasil, pois há 15 anos era bem diferente. Por exemplo, jornais disputavam a primeira pagina com blogs, e o viés político era muito mais plural.

Read more...

Os estudantes pelados e o complô de Gramsci

Estudante nua protesta nas dependências de uma Universidade

Hoje o dia foi pesado. Encontrei um amigo - militar aposentado - que utilizou de todos os subterfúgios para mostrar para mim que a Universidade pública está com os dias contados.

Ele listou todos os argumentos do Tiozão do WhatsApp: há um "complô gramsciano" de esquerda desde as mais priscas eras, o complô gramsciano quer destruir a família e a propriedade, na universidade as pessoas andam peladas e apenas há doutrinação de esquerda, a arte é "degenerada" (sic!), as Ciências Humanas não servem para nada, na ditadura militar não existia corrupção, os militares são honestos e ponto final.

Ele também tentou me mostrar que "países evoluídos", como a Suécia, são capitalistas e o capitalismo não é tão malvado assim.

O que fiz? Tentei argumentar, apresentando fatos.

Eu disse que menos de 5% das pesquisas brasileiras em Filosofia são sobre Marx e que nenhuma é sobre Gramsci. Disse, inclusive, que um país forte investe em pesquisa pura, e deveria ter bom conhecimento de todos os assuntos, ainda mais se seus habitantes algum dia elegem algum pensador como persona non grata.

Tentei explicar que não existe "a esquerda", e sim diversas esquerdas que não se comunicam, e principalmente brigam entre si (as eleições de 2018 que o digam). A esquerda das "questões de gênero" não é bem vista por boa fatia da esquerda mais dogmática e vice-versa. E se existisse uma esquerda unificada, não se veria no Brasil tantas derrotas.

Eu disse que o PT não foi propriamente um governo de esquerda marxista, mas uma social democracia, um capitalismo de bem-estar, semelhante à Noruega e à Suécia (e para não me deixar mentir, até os comunistas chamavam Lula de liberal, o que é algo diferente de um social democrata). Disse que enquanto privatizamos a Petrobras por aqui, estatais como a Statoil (norueguesa) estão se aproveitando da situação para beneficiar os felizes noruegueses, enquanto coxinhas e petralhas cagam pela boca.

Tentei dizer que a ditadura militar talvez não tivesse tantos escândalos de corrupção porque as pessoas não os viam, mas que as informações sobre corrupção são abundantes (1, 2, 3, 4, 5, 6). Mostrei, com as falas do próprio amigo, que é estranho termos visto pessoas como Maluf e Sarney terem saído dali. 

Tendei dizer que a universidade não tem qualquer caráter de doutrinação, mas sim de pluralismo e discussão. Disse que, se os EUA por acaso instituissem uma certidão de nascimento com gênero indefinido, essa é uma questão jurídica e moral, e não acadêmica. Que, aliás, as Universidades são locais de excelência para discutir questões jurídicas e éticas. E também que as universidades são locais de pesquisa, e não escolas técnicas, e por isso qualquer assunto ali cabe, desde que bem fundamentado.

Ilustrei, inclusive, que a arte é questão inerente à Universidade, pois Universidade é local de Pensamento. Que houve uma gigantesca proliferação de Fake News a respeito de haver ali "gente pelada". Que ocorrem, sim, episódios nos quais determinados usos da arte empregam "gente pelada", por exemplo para falar de questões sobre o Holocausto nazista ou para protestar contra o número absurdo de estupros de uma cidade (e o mais surreal é ver as pessoas condenando coisas que até chegaram a virar documentário). Mas, sobretudo, há artes para além da arte clássica, empregando linguagens que não são apenas pincel e tinta.

Até cheguei a dizer que há, sim, brigas setoriais na Universidade, disputinhas de poder e lobbies bem à brasileira. Mas nada adiantou. Fato após fato, o que eu via era meu amigo tentando levantar a voz, cortar minha palavra, mostrar aquela história do WhatsApp que fala sobre o professor que convenceu que o comunismo é falso quando resolveu dar a mesma nota média para todos os alunos.

Quando ele via que o argumento do meme não vencia o argumento dos fatos (e que, enfim, eu nem sou comunista), ele apenas falava mais alto. E mais alto. E me cortava mais e mais.

A propósito: a foto acima não é de nenhum estudante universitário. É só a Mulher Melão.

Read more...

Armas e livros no novo Brasil


Hoje foi um dia estranho. De manhã, tentaram me convencer de que Bolsonaro só não fecha o Congresso porque não quer, mas que ele é "prudente" e tem 5 generais na mão, e que militares são ilibados e não-corruptos. 

Tentei conversar, dizer, falar, contra-argumentar, mas não havia espaço algum. Se eu tentava falar, o homem apenas falava mais alto, e mais e mais. Dizia sobre as virtudes do exército e de como ali não há corrupção. 

Há certa relação direta entre o aumento no tom de voz e o desconhecimento dos fatos, pois a Ditadura era muitas coisas, mas especialmente era muito corrupta (1, 2, 3, 4, 5, 6). Tanto quanto o aumento no tom de voz anula o outro e transforma a relação numa pequena guerra. 

Afinal, "guerra" é o que a turma do Bolsonaro quer fazer passar entre a gente. Um governo cujo plano de governo é inexistente (são 80 slides mal feitos e com erros de português, basta ir lá ver), mas cuja existência, por não existir plano, precisa então do fato de que algum inimigo exista ou caiba na carapuça.

O segundo fato estranho foi ter ouvido, de forma natural, que as universidades públicas serão fechadas ou privatizadas. Caiu assim, espontâneo, simples, direto, como fato consumado. A pessoa falava, mas parecia não estar tendo noção da gravidade do que falava. Era como quando você está desatento e acaba aceitando algo que alguém diz para você. Só que a pessoa estava desatenta e, ao mesmo tempo, falava daquilo: a universidade pública vai acabar.

O terceiro foi a notícia da liberação de armas no Brasil, ou mais precisamente o fato de que o brasileiro poderá ter em casa um fuzil

Às vezes, o sentimento de que o Brasil se perde, de que a guerra ou a desesperança se aproximam mais e mais, é insuportável.

Read more...

"Qual é sua condição?" x "A garantia sou eu"



Tá pra vir alguém que explique o Rio.

O táxi pergunta para onde você vai, e então vê se te leva; o Uber pergunta se você tem compras, para ver se te leva. E o SAMU pergunta qual é a condição social do doente, para ver se vem buscar.

Acabou de desabar um prédio em Muzema, local controlado por milícias. Um major da polícia comanda a milícia. Numa das reportagens, o dono do prédio negocia com um interessado a respeito de garantias. Diz o dono: pode acertar comigo, a garantia sou eu.

Read more...

Luiz Carlos Prestes no Jô, hoje à noite







O brasileiro está descontente. O governo favorece as grandes oligarquias. De repente aparece um político novo, diferente dos outros e com as maiores promessas de acabar com "tudo o que está aí." Quem não conhece essa história?

Escreveu Bolsonaro, no Museu do Holocausto: quem não conhece o passado está condenado a não ter futuro. Grande frase, embora - ironia das ironias! - é um esquecimento e uma variação da velha frase "quem não conhece o passado está condenado a repeti-lo", já atribuída a Che Guevara (Bolsonaro citando Che!), Santayana, Marx e Burke.

Eis, acima, uma tremenda aula de História. É Luiz Carlos Prestes, que testemunha a si próprio e sua época, na qual o "marxismo científico" ainda movia as pessoas e convicções. Ele fala sobre liberais, comunistas, Lula e Collor, o grande homem que chegou para "acabar com isso que tá aí".

Read more...

Olavo e os intelectuais



Ontem acabei vendo a entrevista do Olavo ao Pedro Bial. A conclusão é: estamos cada vez mais enredados, afundados, numa série de confusões e mal entendidos que tornaram possível uma imensa cultura dos fake news, repercutidos inclusive no "debate" brasileiro.

Olavo conseguiu platéia no entremeio de vários fatores. O primeiro deles é certo elitismo intelectual que acabou se consolidando na universidade brasileira. Olavo enxerga isso como uma espécie de complô da "esquerda gramsciana" que "dominou" o debate nas universidades. Ele confunde uma série de coisas: por ex. o fato de que muitos filósofos que hoje estão em voga ganharam sua notoriedade por serem bons, não por serem "de esquerda"; ou ainda, o fato de que há milhares de outros pensadores que são ciclicamente minorizados, esquecidos ou deixados de lado, não porque a academia é "esquerdista", mas porque esse processo de esvaziamento/retomada é inevitável, embora a autocrítica da universidade o seja também. É inevitável que certos pensadores fiquem em voga, ou mesmo que ocorram batalhas de primazia ou privilégio em departamentos no mundão afora. Mas isso não implica um "projeto esquerdista de dominação gramsciana". Tampouco os pensadores são simplesmente reprimidos por "não serem esquerdistas", e há inúmeras retomadas cujo movimento não é simplesmente controlável ou gerido por "projetos ideológicos". É falsa a declaração dele de que a "esquerda gramsciana" domina as pautas pelo controle das teses que podem ou não ser defendidas. Mas Olavo se aproveita de duas coisas: há de fato certos temas mais amplamente visados e existem de fato inúmeras disputas de primazia em departamentos. Unindo os dois, tudo se passa como se existisse uma "dominação esquerdista global", o que nem de longe é verdade.

Mas volto ao elitismo intelectual: de uma geração para cá, houve certo encastelamento da intelectualidade brasileira (também devido a uma série de fatores...), que não deu a mínima para a divulgação científica ou a incursão no debate público. O crescimento do modelo acadêmico norte-americano dos "papers" e a ideologia do "produtivismo" foram cruciais nisso: se a geração anterior se fechou no erudicionismo, a geração atual foi aprisionada no produtivismo, nos backlinks das citações. A academia dos anos 2010 se parece com o Technorati dos anos 2000 (o Technorati era um índice de backlinks utilizados em blogs: quanto mais links um blog recebia, mais ele era considerado importante, não importando sua real pertinência ou qualidade): a obrigação de backlinks e o especialismo em muito se sobrepoem ao trabalho lento e gradual, inclusive "global". Apresentando-se como filósofo generalista, Olavo se aproveita disso.

O fato é que o "público culto e não especializado" ficou órfão de maiores leituras. Um pouco disso foi por assim dizer "contido" nos anos 2000 devido ao debate suscitado pelos blogs, mas esse debate foi esvaziado quando criaram o twitter e o facebook (até o Orkut, em boa parte, era movido por comunidades virtuais). Olavo é player no debate virtual - e no filão do "público culto mas não especialista" - ao menos desde os anos 1990. De lá para cá ele nunca largou mão. Os blogs, em contraparte, surgiram e acabaram entre 2001-2012. De lá para cá, multiplicaram os sites de "direita" com viés "liberal" e "conservador" (Ilisp, von Mises etc.), enquanto os sites ditos "progressistas" praticamente sumiram (lembremos de seu auge quando Lula se encontrou certa vez com os "blogueiros progressistas"). Disso tudo, o fato é que, independente desse estereótipo "esquerda-direita", nos anos 2000 o debate era mais amplo e plural (houve campanhas do Estadão inclusive pastichando o poder de convencimento dos blogs), e degringolou num esvaziamento tanto dos blogs mais pluralistas quanto dos blogs de esquerda, enquanto cresceu vertiginosamente o filão para os think tanks dos espectros mais "direitistas".

Persistente, Olavo "correu por fora". Obstinado, acabou se fortalecendo com tudo isso e calhou de chegar a sua vez.

Inclusive, Olavo se fortaleceu pela própria omissão dos intelectuais, que o consideraram pouco importante. Um caso nítido é seu livro sobre Aristóteles, que promete uma "nova interpretação". O livro inteiro é feito a partir de um artigo que foi negado por uma revista. Diante dos estudos aristotélicos, Olavo é irrelevante e pouco citado, o que contrasta com o grande valor que ele se atribui (Christian Dunker já mostrou isso). Mas, sem maior crítica, a produção e divulgação de seu livro novamente correram por fora dos estudos aristotélicos. Inclusive, boa parte do livro comenta apenas sobre a recusa de seu texto. O que, em termos publicitários e unido ao silêncio dos intelectuais que não foram ao ponto da refutação efetiva, ajuda a dar o efeito de que Olavo luta contra a "esquerda" que negou sua interpretação "genial".

Outro fator importante de sua ascensão é óbvio: o antilulismo crescente e irrigado com programação diária (isso não precisa ser comentado).

Há, ainda, outra questão importante, que é a da dita "renovação cultural" propagada por ele. Olavo junta em suas crendices uma espécie de "missão", na qual o Brasil deveria ficar pronto para uma verdadeira renovação cultural "para daqui a 30 anos". Por isso ele põe o alvo na sociologia e na filosofia. Segundo ele, uma série de pensadores, inclusive brasileiros, teria sido esquecida, obliterada ou reprimida pelo "projeto gramsciano" dominador de universidades.

Na entrevista com Bial, Olavo é categórico: teria trazido à luz "milhares" de pensadores injustamente "esquecidos" pela "esquerda" (no fundo, "esquerda" significa quase todo pensamento discordante). Inclusive, isso serve de artifício retórico para "desmascarar" a "esquerda", e uma diversão dos alunos de Olavo é perguntar aos "especialistas" se eles conhecem algum desses pensadores ditos como tão importantes. Para os olavistas, o não conhecimento de um especialista sobre algum desses autores não testemunha o fato de que há inúmeros outros intérpretes igualmente esquecidos, ou que tais pensadores não estão em voga porque foram sobrepujados, ou ainda que há inúmeras retomadas cíclicas na universidade; para eles, o desconhecimento é uma espécie de sinal, de senha que reforça a crença na "dominação esquerdista". Assim, pensadores escolhidos por Olavo como bons ou os melhores, tais como Eric Voegelin, Mario Ferreira dos Santos, Otto Maria Carpeaux e outros seriam players importantes para tal renovação cultural, em detrimento dos autores "esquerdistas" que se estudam na universidade e teriam ocultado a importância deles.

Diante disso tudo, o fato nu e cru é que Olavo foi erigido como pensador que inspira até o governo de Bolsonaro. Para chegar ali ele foi beneficiado por vários fatores, que envolvem sua própria obstinação, o "antiesquerdismo" crescente, o antipetismo e o fechamento das comunidades virtuais (a passagem do "link" para o "follow" precisa ter uma história...). Comunidades como o Facebook e o Twitter utilizam diariamente o mesmo estilo de discurso que Olavo sempre utilizou: linguagem direta, sem rodeios; o desafio "aqui e agora" e a vitória por "lacração" (como se a retórica momentânea atestasse a prova da intelectualidade verdadeira). Enfim, lá se vão, nas principais comunidades virtuais, mais de 10 anos de hábitos de pensar, bem acolhedores de quem já pensava assim.

Ainda estamos no início do governo Bolsonaro e os retrocessos são vários. Em muitos sentidos já se fala em "guerra cultural". A geração anterior à de nossos professores era rigorosa, mas não deixava de lado a divulgação e o viés políticos. A geração de nossos professores tentou acompanhar a geração passada, emulando o rigor e a erudição, mas em boa parte perdendo o contato com o público. Resta a pergunta para a geração dos professores atuais, pois ela se coloca exatamente entre 1) o rigor e a erudição que encastelou parte importante da geração passada, 2) o produtivismo e o especialismo que constitui o momento atual, e 3) o desafio da "vulgarização" que exige o papel público do intelectual, e que Olavo tão bem soube aproveitar (reunindo aí também, ou principalmente, o antipetismo que calhou).

Read more...

Duas imagens do Brasil

Os dois vídeos abaixo foram gravados nos últimos dias. Compare.


Eis o segundo:


A história do segundo vídeo é narrada aqui. O desenrolar da situação começou hoje.

O número de temas aqui atravessado é tanto... É o do racismo, mas também o do "amigo do rei" (não há impessoalidade e o atendimento é sempre diverso a depender do sujeito) e o de que leis absolutamente simples, como a da fila do banco, não são respeitadas por aqui.

A não ser, é claro, que você seja branco e amigo do rei.

Read more...

O corpo e o mundo virtual





Havia um tempo em que a internet era nova, as coisas eram gratuitas e entrevíamos a possibilidade de ali encontrar tudo.

A conexão era de fato lenta. Mas o tempo se alastrava pela madrugada.

A internet ainda não continha de fato tudo. Muita coisa estava para ser digitalizada ou ali reproduzida. Era tempo das web-pages pessoais, não dos blogs e nem das redes sociais.

A relação com o virtual parecia, de certo modo, invertida, em relação o que ocorre hoje. O virtual se apresentava como uma espécie de novo saguão da realidade, mas com possibilidades próprias, capazes inclusives de "contaminar" o mundo real. Era como se fôssemos capazes de capacitar a esfera real, carnal, com novas possibilidades e caminhos. Por exemplo, encontrar o texto impossível ou acessar um professor inacessível em outro país; ouvir e conhecer músicas jamais imaginadas, enfim, ter acessos-mil e expandir os horizontes do próprio corpo.

Mas curiosamente, daqueles tempos para cá ocorreu um pouco o contrário. Não é mais tanto o corpo que usa o computador para possibilidades-mil, mas é o computador - cada vez mais reduzido - que parece utilizar o corpo - cada vez mais encolhido.

Transformamos a nós mesmos em frutos de likes e follows. Presidentes são eleitos e pessoas demitidas pelo mundo virtual.

Até no plano acadêmico já ouvi um professor muito requisitado dizer: você precisa fazer publicidade de si mesmo, expandir suas redes, causar certa impressão.

Mas 20 anos atrás, quando alguém queria ler um bom texto, não procurava na internet por pesquisadores que expandem suas redes, mas sim por pesquisadores que publicam bons textos (que o Google Acadêmico me desminta, se eu estiver errado).

Eis a inversão: buscávamos conteúdos para aprimorar os horizontes do corpo; hoje o corpo é que parece horizonte para questões não mais de conteúdo, mas de visibilidade, de disponibilidade, de "estar ali" e "fazer de acordo", de bancar que se tem algum conteúdo, quando o conteúdo já não vale mais tanto assim.

Então, de algum modo, parece hoje necessário não mais se conectar à rede para ser alguém, mas se desconectar dela. Como se precisássemos reconquistar o corpo, a realidade, a vida.

Pois logo ali há uma nova notificação para nos transportar em direção a outros compromissos, deslocar o corpo do aqui e agora, mergulhar nessa antessala da qual parece que nunca mais conseguimos sair.

Read more...

A Lava Jato da Educação e os moinhos de vento "comunistas"


A última semana rendeu três notícias, cuja reunião pode criar longas consequências ao Brasil: a militarização de escolas municipais em Brasília, a criação de um gabinete militar coextensivo à reitoria da Universidade Federal Fluminense (depois revogada), e a sinalização de uma "lava jato da educação", pelos ministérios da Justiça, da Educação e Cultura e pela direção da Polícia Federal.

A criação da "lava jato" gerou algumas notícias em tom de cortina de fumaça. Alguns disseram que as ações da Kroton e da Estácio caíram 5% após a notícia. Outros, que o clima entre o MEC e a Associação das Mantenedoras do ensino privado (ABMES) ficou tenso. 

Apenas esqueceram de dizer que a vice-presidente da ANUP, entidade ligada à ABMES, é Elisabeth Guedes, irmã de Paulo Guedes, grande beneficiário do ensino privado no Brasil. 

Mas essa idéia de uma Lava jato da educação, unida à militarização, carrega questões muito mais sombrias, tendo visto que um dos primeiros alvos da "operação" são as universidades federais. 

Todo mundo sabe que a administração pública brasileira é uma imensa caixa-preta repleta de corrupção. Quem foi deputado durante 30 anos deve saber disso mais do que ninguém. E não ocorre diferente na educação. Uma devassa geral das contas, portanto, certamente revelará grandes irregularidades. E a bandeira de uma "lava jato" tem a credibilidade e o apoio de muita gente (embora falas de Sergio Moro, sobre Caixa-2 não ser crime como a corrupção - apesar de ter dito o contrário: que Caixa-2 é "pior do que corrupção" -, talvez comecem a abalar tal confiança).

Mas o propósito de uma lava jato em educação não deveria deixar o brasileiro esquecer de outra coisa, tão séria quanto: no plano de governo de Bolsonaro, e nas falas do atual ministro, a educação pública, especialmente a das universidades, é definida como uma espécie de "inimigo". As universidades são ali pintadas como antros de doutrinação influenciados pela obra de Paulo Freire. As entidades de educação privada, como a ABMES e a ANUP, fazem coro explícito a isso.

Como se sabe, isso é uma idéia totalmente maluca e não se sustenta, começando pelo fato de que 90% de nossa pesquisa vem das universidades públicas. Então os ataques não deram, até agora, muito certo. A idéia da doutrinação e do "paulofreireanismo" generalizados é simplesmente ridícula. Além disso, desqualificações da universidade, tais como a feita pelo ministro Velez de dizer que as universidades são "elitistas" e devem ser "para poucos", também não deram certo.

Inclusive, o ministro do MEC já foi bastante criticado por não sinalizar, até agora, qualquer questão para a educação que não fosse ideológica. É como se a existência de tais políticos apenas fosse legítima se existisse o inimigo pintado por eles. São como moinhos de vento: vai que cola dizer que são monstros. Mas assuntos de verdade, como as políticas sobre a educação, foram sequer tocados até agora.

Para cobrir tal vazio, portanto, não há nada melhor do que a criação de um inimigo. E uma Lava Jato para a educação tem sérios riscos de colar na cabeça do povo. Isso porque, conforme dito acima, é muito provável que os investigadores encontrem, sim, ilegalidades.

Muito ocorrerá como na tragédia do ex-reitor da UFSC, Cancelier. Muita gente boa será indevidamente exposta. Sob um selo de legalidade sem restrições e garantido por cobertura de jornal, a justiça brasileira poderá cometer desmedidas sob pretenso apoio popular.

Mas o que representa mais risco, nisso tudo, é a realização do plano de governo referido acima, de quem não sabe governar e está ansioso para encontrar inimigos que justifiquem sua existência. Explico: há o risco de que, encontrando aqui e ali irregularidades em alguma universidade, o governo julgue ter alguma justificativa para sua existência vazia de projetos. E mais ainda: é possível que a população acredite na lorota de que as pessoas da universidade são necessariamente inimigas, comunistas e corruptas.

Read more...

Governo em pés-de-chinelo


Talvez a notícia mais emblemática do governo Bolsonaro, e que imprimirá todos os próximos 4 anos, diga respeito ao fato dele ter usado chinelão e roupa maltrapilha durante o encaminhamento do projeto de reforma da previdência, na última semana. 

Explico: as roupas, os trejeitos, os chinelos do presidente causaram maior percepção, comentários, frisson ou bafafá do que a própria notícia vinculada quando ele estava assim. 

Isso dá um recado muito claro: as pessoas não estão nem aí para a reforma da previdência. Para além dos jornais, não há qualquer discussão pública. Não se fala disso nos pontos de ônibus, nos táxis, nos jantares de família. Não há memes sobre a Reforma no Facebook ou no WhatsApp. Revolta ou apoio algum. é um simples zero. 

Tudo se passa como se uma medida drástica como essa, de longuíssimas consequências, não existisse, não oferecesse qualquer motivo para o brasileiro pensar ou se preocupar.

Não obstante, isso diz muito sobre o que somos ou no que estamos nos tornando. 

Em primeiro lugar, o que se tornou a "discussão pública" no Brasil nem de longe tem aparência de discussão pública. Afinal, o próprio assunto público dá lugar a nuances de discussão privada. Por exemplo, os ditos da ministra Damares sobre os meninos usarem azul e as meninas rosa, ou a camisa falsificada do Palmeiras do presidente, ou mesmo seus chinelos rider, ganharam maior "ibope" do que qualquer outro assunto realmente público, e de grandes consequências, de seu próprio governo. 

Nem as notícias sobre Brumadinho talvez tiveram tanta repercussão, uma vez que as falas ou atos macarrônicos do governo sempre estão aí para promover um novo esquecimento. 

A ida frustrante de Bolsonaro a Davos cedeu lugar a notícias de humildade: veja como ele está cansado, como almoça no refeitório. Se não fala para a imprensa? Haverá uma entrevista bonachona à Record... 

E assim ocorreu durante um mês inteiro. Prognóstico: será assim nos próximos quatro anos. O brasileiro verá sua vida material esfacelar-se, seus direitos irem embora e o mercado de trabalho transformar-se num escambo miliciano. Mas enfim, sempre haverá um novo meme para comentar.

Read more...

De Maduro ao Brasil


O apoio do presidente Bolsonaro à deposição de Maduro, na Venezuela, tem uma função pouco percebida, não na política venezuelana, mas na brasileira.

Há pouco o PT, encabeçado por Gleisi Hoffmann, cometeu uma ação desastrada (senão desastrosa), ao estar presente na controversa posse de Maduro, reeleito em 2018. Fazendo isso, para a percepção do brasileiro comum o PT se alinha com o que parece uma crise clara e um governo duvidoso, uma vez que as eleições na Venezuela não foram absolutamente normais e o clima político brasileiro é incrivelmente polarizado. Com a sinalização de Gleisi, o PT se identifica com diversos estereótipos brasileiros sobre a esquerda em geral e o PT em particular: seriam adeptos de ditaduras de esquerda, repressão e corrupção estatal.

E isso acarreta em consequências bastante concretas. Porque não possui plano de governo senão o da acusação de um "inimigo" que precisa existir para justificar a própria existência, Bolsonaro agora investe numa política externa ligada não apenas à reprovação de Maduro, mas à sua deposição. Para Bolsonaro, não é suficiente reprovar o regime venezuelano, mas intervir em sua legitimidade e, pior, seu futuro.

Somada à atitude do PT, é como se isso desse a Bolsonaro uma espécie de argumento: é preciso perseguir ou depor não apenas o "inimigo" externo, mas especialmente os internos. Afinal, se o PT é uma espécie de irmão siamês da política de Maduro, não se deve depor apenas Maduro, mas também tudo o que representa o PT em particular e a esquerda em geral.


Read more...

Search This Blog

  © Free Blogger Templates Photoblog III by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP