A Lava Jato da Educação e os moinhos de vento "comunistas"


A última semana rendeu três notícias, cuja reunião pode criar longas consequências ao Brasil: a militarização de escolas municipais em Brasília, a criação de um gabinete militar coextensivo à reitoria da Universidade Federal Fluminense (depois revogada), e a sinalização de uma "lava jato da educação", pelos ministérios da Justiça, da Educação e Cultura e pela direção da Polícia Federal.

A criação da "lava jato" gerou algumas notícias em tom de cortina de fumaça. Alguns disseram que as ações da Kroton e da Estácio caíram 5% após a notícia. Outros, que o clima entre o MEC e a Associação das Mantenedoras do ensino privado (ABMES) ficou tenso. 

Apenas esqueceram de dizer que a vice-presidente da ANUP, entidade ligada à ABMES, é Elisabeth Guedes, irmã de Paulo Guedes, grande beneficiário do ensino privado no Brasil. 

Mas essa idéia de uma Lava jato da educação, unida à militarização, carrega questões muito mais sombrias, tendo visto que um dos primeiros alvos da "operação" são as universidades federais. 

Todo mundo sabe que a administração pública brasileira é uma imensa caixa-preta repleta de corrupção. Quem foi deputado durante 30 anos deve saber disso mais do que ninguém. E não ocorre diferente na educação. Uma devassa geral das contas, portanto, certamente revelará grandes irregularidades. E a bandeira de uma "lava jato" tem a credibilidade e o apoio de muita gente (embora falas de Sergio Moro, sobre Caixa-2 não ser crime como a corrupção - apesar de ter dito o contrário: que Caixa-2 é "pior do que corrupção" -, talvez comecem a abalar tal confiança).

Mas o propósito de uma lava jato em educação não deveria deixar o brasileiro esquecer de outra coisa, tão séria quanto: no plano de governo de Bolsonaro, e nas falas do atual ministro, a educação pública, especialmente a das universidades, é definida como uma espécie de "inimigo". As universidades são ali pintadas como antros de doutrinação influenciados pela obra de Paulo Freire. As entidades de educação privada, como a ABMES e a ANUP, fazem coro explícito a isso.

Como se sabe, isso é uma idéia totalmente maluca e não se sustenta, começando pelo fato de que 90% de nossa pesquisa vem das universidades públicas. Então os ataques não deram, até agora, muito certo. A idéia da doutrinação e do "paulofreireanismo" generalizados é simplesmente ridícula. Além disso, desqualificações da universidade, tais como a feita pelo ministro Velez de dizer que as universidades são "elitistas" e devem ser "para poucos", também não deram certo.

Inclusive, o ministro do MEC já foi bastante criticado por não sinalizar, até agora, qualquer questão para a educação que não fosse ideológica. É como se a existência de tais políticos apenas fosse legítima se existisse o inimigo pintado por eles. São como moinhos de vento: vai que cola dizer que são monstros. Mas assuntos de verdade, como as políticas sobre a educação, foram sequer tocados até agora.

Para cobrir tal vazio, portanto, não há nada melhor do que a criação de um inimigo. E uma Lava Jato para a educação tem sérios riscos de colar na cabeça do povo. Isso porque, conforme dito acima, é muito provável que os investigadores encontrem, sim, ilegalidades.

Muito ocorrerá como na tragédia do ex-reitor da UFSC, Cancelier. Muita gente boa será indevidamente exposta. Sob um selo de legalidade sem restrições e garantido por cobertura de jornal, a justiça brasileira poderá cometer desmedidas sob pretenso apoio popular.

Mas o que representa mais risco, nisso tudo, é a realização do plano de governo referido acima, de quem não sabe governar e está ansioso para encontrar inimigos que justifiquem sua existência. Explico: há o risco de que, encontrando aqui e ali irregularidades em alguma universidade, o governo julgue ter alguma justificativa para sua existência vazia de projetos. E mais ainda: é possível que a população acredite na lorota de que as pessoas da universidade são necessariamente inimigas, comunistas e corruptas.

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