Duas imagens do Brasil

Os dois vídeos abaixo foram gravados nos últimos dias. Compare.


Eis o segundo:


A história do segundo vídeo é narrada aqui. O desenrolar da situação começou hoje.

O número de temas aqui atravessado é tanto... É o do racismo, mas também o do "amigo do rei" (não há impessoalidade e o atendimento é sempre diverso a depender do sujeito) e o de que leis absolutamente simples, como a da fila do banco, não são respeitadas por aqui.

A não ser, é claro, que você seja branco e amigo do rei.

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O corpo e o mundo virtual





Havia um tempo em que a internet era nova, as coisas eram gratuitas e entrevíamos a possibilidade de ali encontrar tudo.

A conexão era de fato lenta. Mas o tempo se alastrava pela madrugada.

A internet ainda não continha de fato tudo. Muita coisa estava para ser digitalizada ou ali reproduzida. Era tempo das web-pages pessoais, não dos blogs e nem das redes sociais.

A relação com o virtual parecia, de certo modo, invertida, em relação o que ocorre hoje. O virtual se apresentava como uma espécie de novo saguão da realidade, mas com possibilidades próprias, capazes inclusives de "contaminar" o mundo real. Era como se fôssemos capazes de capacitar a esfera real, carnal, com novas possibilidades e caminhos. Por exemplo, encontrar o texto impossível ou acessar um professor inacessível em outro país; ouvir e conhecer músicas jamais imaginadas, enfim, ter acessos-mil e expandir os horizontes do próprio corpo.

Mas curiosamente, daqueles tempos para cá ocorreu um pouco o contrário. Não é mais tanto o corpo que usa o computador para possibilidades-mil, mas é o computador - cada vez mais reduzido - que parece utilizar o corpo - cada vez mais encolhido.

Transformamos a nós mesmos em frutos de likes e follows. Presidentes são eleitos e pessoas demitidas pelo mundo virtual.

Até no plano acadêmico já ouvi um professor muito requisitado dizer: você precisa fazer publicidade de si mesmo, expandir suas redes, causar certa impressão.

Mas 20 anos atrás, quando alguém queria ler um bom texto, não procurava na internet por pesquisadores que expandem suas redes, mas sim por pesquisadores que publicam bons textos (que o Google Acadêmico me desminta, se eu estiver errado).

Eis a inversão: buscávamos conteúdos para aprimorar os horizontes do corpo; hoje o corpo é que parece horizonte para questões não mais de conteúdo, mas de visibilidade, de disponibilidade, de "estar ali" e "fazer de acordo", de bancar que se tem algum conteúdo, quando o conteúdo já não vale mais tanto assim.

Então, de algum modo, parece hoje necessário não mais se conectar à rede para ser alguém, mas se desconectar dela. Como se precisássemos reconquistar o corpo, a realidade, a vida.

Pois logo ali há uma nova notificação para nos transportar em direção a outros compromissos, deslocar o corpo do aqui e agora, mergulhar nessa antessala da qual parece que nunca mais conseguimos sair.

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A Lava Jato da Educação e os moinhos de vento "comunistas"


A última semana rendeu três notícias, cuja reunião pode criar longas consequências ao Brasil: a militarização de escolas municipais em Brasília, a criação de um gabinete militar coextensivo à reitoria da Universidade Federal Fluminense (depois revogada), e a sinalização de uma "lava jato da educação", pelos ministérios da Justiça, da Educação e Cultura e pela direção da Polícia Federal.

A criação da "lava jato" gerou algumas notícias em tom de cortina de fumaça. Alguns disseram que as ações da Kroton e da Estácio caíram 5% após a notícia. Outros, que o clima entre o MEC e a Associação das Mantenedoras do ensino privado (ABMES) ficou tenso. 

Apenas esqueceram de dizer que a vice-presidente da ANUP, entidade ligada à ABMES, é Elisabeth Guedes, irmã de Paulo Guedes, grande beneficiário do ensino privado no Brasil. 

Mas essa idéia de uma Lava jato da educação, unida à militarização, carrega questões muito mais sombrias, tendo visto que um dos primeiros alvos da "operação" são as universidades federais. 

Todo mundo sabe que a administração pública brasileira é uma imensa caixa-preta repleta de corrupção. Quem foi deputado durante 30 anos deve saber disso mais do que ninguém. E não ocorre diferente na educação. Uma devassa geral das contas, portanto, certamente revelará grandes irregularidades. E a bandeira de uma "lava jato" tem a credibilidade e o apoio de muita gente (embora falas de Sergio Moro, sobre Caixa-2 não ser crime como a corrupção - apesar de ter dito o contrário: que Caixa-2 é "pior do que corrupção" -, talvez comecem a abalar tal confiança).

Mas o propósito de uma lava jato em educação não deveria deixar o brasileiro esquecer de outra coisa, tão séria quanto: no plano de governo de Bolsonaro, e nas falas do atual ministro, a educação pública, especialmente a das universidades, é definida como uma espécie de "inimigo". As universidades são ali pintadas como antros de doutrinação influenciados pela obra de Paulo Freire. As entidades de educação privada, como a ABMES e a ANUP, fazem coro explícito a isso.

Como se sabe, isso é uma idéia totalmente maluca e não se sustenta, começando pelo fato de que 90% de nossa pesquisa vem das universidades públicas. Então os ataques não deram, até agora, muito certo. A idéia da doutrinação e do "paulofreireanismo" generalizados é simplesmente ridícula. Além disso, desqualificações da universidade, tais como a feita pelo ministro Velez de dizer que as universidades são "elitistas" e devem ser "para poucos", também não deram certo.

Inclusive, o ministro do MEC já foi bastante criticado por não sinalizar, até agora, qualquer questão para a educação que não fosse ideológica. É como se a existência de tais políticos apenas fosse legítima se existisse o inimigo pintado por eles. São como moinhos de vento: vai que cola dizer que são monstros. Mas assuntos de verdade, como as políticas sobre a educação, foram sequer tocados até agora.

Para cobrir tal vazio, portanto, não há nada melhor do que a criação de um inimigo. E uma Lava Jato para a educação tem sérios riscos de colar na cabeça do povo. Isso porque, conforme dito acima, é muito provável que os investigadores encontrem, sim, ilegalidades.

Muito ocorrerá como na tragédia do ex-reitor da UFSC, Cancelier. Muita gente boa será indevidamente exposta. Sob um selo de legalidade sem restrições e garantido por cobertura de jornal, a justiça brasileira poderá cometer desmedidas sob pretenso apoio popular.

Mas o que representa mais risco, nisso tudo, é a realização do plano de governo referido acima, de quem não sabe governar e está ansioso para encontrar inimigos que justifiquem sua existência. Explico: há o risco de que, encontrando aqui e ali irregularidades em alguma universidade, o governo julgue ter alguma justificativa para sua existência vazia de projetos. E mais ainda: é possível que a população acredite na lorota de que as pessoas da universidade são necessariamente inimigas, comunistas e corruptas.

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Governo em pés-de-chinelo


Talvez a notícia mais emblemática do governo Bolsonaro, e que imprimirá todos os próximos 4 anos, diga respeito ao fato dele ter usado chinelão e roupa maltrapilha durante o encaminhamento do projeto de reforma da previdência, na última semana. 

Explico: as roupas, os trejeitos, os chinelos do presidente causaram maior percepção, comentários, frisson ou bafafá do que a própria notícia vinculada quando ele estava assim. 

Isso dá um recado muito claro: as pessoas não estão nem aí para a reforma da previdência. Para além dos jornais, não há qualquer discussão pública. Não se fala disso nos pontos de ônibus, nos táxis, nos jantares de família. Não há memes sobre a Reforma no Facebook ou no WhatsApp. Revolta ou apoio algum. é um simples zero. 

Tudo se passa como se uma medida drástica como essa, de longuíssimas consequências, não existisse, não oferecesse qualquer motivo para o brasileiro pensar ou se preocupar.

Não obstante, isso diz muito sobre o que somos ou no que estamos nos tornando. 

Em primeiro lugar, o que se tornou a "discussão pública" no Brasil nem de longe tem aparência de discussão pública. Afinal, o próprio assunto público dá lugar a nuances de discussão privada. Por exemplo, os ditos da ministra Damares sobre os meninos usarem azul e as meninas rosa, ou a camisa falsificada do Palmeiras do presidente, ou mesmo seus chinelos rider, ganharam maior "ibope" do que qualquer outro assunto realmente público, e de grandes consequências, de seu próprio governo. 

Nem as notícias sobre Brumadinho talvez tiveram tanta repercussão, uma vez que as falas ou atos macarrônicos do governo sempre estão aí para promover um novo esquecimento. 

A ida frustrante de Bolsonaro a Davos cedeu lugar a notícias de humildade: veja como ele está cansado, como almoça no refeitório. Se não fala para a imprensa? Haverá uma entrevista bonachona à Record... 

E assim ocorreu durante um mês inteiro. Prognóstico: será assim nos próximos quatro anos. O brasileiro verá sua vida material esfacelar-se, seus direitos irem embora e o mercado de trabalho transformar-se num escambo miliciano. Mas enfim, sempre haverá um novo meme para comentar.

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