Noam Chomsky, as fake news e o Brasil


O quanto essa entrevista com Noam Chomsky nos cabe.

Sobre a descrença nos "fatos" e a criação de um mundo de fakenews, ele diz:
Já faz 40 anos que o neoliberalismo, liderado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assaltou o mundo. E isso teve um efeito. A concentração aguda de riqueza em mãos privadas veio acompanhada de uma perda do poder da população geral. As pessoas se sentem menos representadas e levam uma vida precária, com trabalhos cada vez piores. O resultado é uma mistura de aborrecimento, medo e escapismo. Já não se confia nem nos próprios fatos. Há quem chama isso de populismo, mas na verdade é descrédito das instituições.
 Sobre como a imprensa concede pauta para atitudes não-democráticas:
Olhe a televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump, Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo que pode acabar com todos nós.
O texto acima é particularmente interessante, devido a um fenômeno talvez pouco estudado, mas que a linguagem popular chama de "dar bandeira a maluco". Por controle de estímulos, como dizem os psicólogos behavioristas (isto é, pela criação sucessiva de contextos nos quais determinados eventos são apresentados e ocasionam determinados jogos - contingências - de comportamento), uma pauta anti-democrática ganha primeiro plano no seio da democracia. Ou, em outras palavras, um candidato é capaz de ganhar visibilidade não pelo que diz ou tem a contribuir, mas pelo fato de tornar-se frequentemente visível por outros critérios. Um pouco como na velha frase atribuída a Goebbels.

Isso ocorre no já clássico caso da oposição Lula x Bolsonaro: quando a esquerda, por vício de alarmismo e vitimismo, colocou os dois lado a lado, isso acabou capitalizando a figura de Bolsonaro que, de deputado irrelevante do baixo clero, tornou-se uma espécie de "opositor" das políticas do PT.

O resultado tornou-se bastante conhecido ao brasileiro: basta dizer "Lula" que alguém devolve sem pensar "Bolsonaro!"; e basta acusar Bolsonaro e você é diretamente visto como "lulista", mesmo que isso esteja longe da verdade.
P. Houve um deslizamento para a direita do espectro político?
R. Na elite do espectro político sim, ocorreu esse deslizamento, mas não na população em geral. Desde os anos oitenta se vive uma ruptura entre o que as pessoas desejam e as políticas públicas. É fácil ver isso no caso dos impostos. As pesquisas mostram que a maioria quer impostos mais altos para os ricos. Mas isso nunca se leva a cabo. Frente a isso se promoveu a ideia de que reduzir impostos traz vantagens para todos e que o Estado é o inimigo. Mas quem se beneficia da reduzir [verbas para] estradas,hospitais, água limpa e ar respirável? 

P. Então o neoliberalismo triunfou? 
R. O neoliberalismo existe, mas só para os pobres. O mercado livre é para eles, não para nós. Essa é a história do capitalismo. As grandes corporações empreenderam a luta de classes, são autênticos marxistas, mas com os valores invertidos. Os princípios do livre mercado são ótimos para ser aplicados aos pobres, mas os muito ricos são protegidos. As grandes indústrias de energia recebem subvenções de centenas de milhões de dólares, a economia de alta tecnologia se beneficia das pesquisas públicas de décadas anteriores, as entidades financeiras obtêm ajuda maciça depois de afundar… Todas elas vivem com um seguro: são consideradas muito grandes para cair e são resgatadas se têm problemas. No fim das contas, os impostos servem para subvencionar essas entidades e com elas, os ricos e poderosos. Mas além disso se diz à população que o Estado é o problema e se reduz seu campo de ação. E o que ocorre? Seu espaço é ocupado pelo poder privado, e a tirania das grandes corporações fica cada vez maior.
Lúcido, o velho Chomsky.

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