Como (não) criar seu filho


Muito preocupada, uma mãe pergunta numa rede social: o que dar para meu filho como alternativa aos produtos eletrônicos? Confesso que minhas opções acabaram e começo a ver a criança entediada, impaciente.

Em resposta, uma rede inteira de solidariedade se arma: ela poderia dar massinha, pintura, brinquedos, brincadeiras novas, combinar para sair com as amigas e seus filhos, "por que eu, com meu filho, faço..."

Os comentários vão proliferando, com inúmeras receitas mirabolantes. Mas dentre todas, algo chama a atenção: nenhuma expressão semelhante a "auto" e "por ele mesmo". Fica a mensagem do perigo a evitar: "tédio", "impaciência", "ansiedade".

Os comentários vão se acumulando como imensos blocos a preencher um buraco, um vazio. A mãe precisa saber, pois a criança não pode ficar sem ter o que fazer.

Aí recordo de minha infância. Quanto tempo largado ao tempo. Folhas viravam dinheiro, papel virava mapa, galho de árvore virava espada... Claro, os pais e parentes sempre foram importantes, mas salta aos olhos o tempo, tão grande, no qual eu, e tantos outros, ficamos por nós mesmos. Inclusive trocávamos as brincadeiras. Ah sim: os espaços também eram diferentes.

Parece que hoje não pode haver espaço em branco, lacuna, vazio. Mas ora, é nesses espaços que alguém desenvolve autocontrole, iniciativa e criatividade. O que vou fazer com esse tempo, diante desse vazio? Parece que as pessoas não podem mais se deparar com essa pergunta. Há sempre um gadget, um programa, um software, ou uma alternativa descolada que alguém tem que dar.

E assim criamos crianças cheias, sem qualquer espaço para o insuportável vazio. Mas surpreende, pois a vida também tem lacunas, inclusive para respirar, ponderar e criar. O que seria do salto sem o recuo? Mas não há tempo para isso.

E a vida, como fica quando alguém nunca aprendeu a se deparar com a própria finitude, com o próprio vazio?

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